Carta MCC Brasil – Dezembro 2011 (148ª.)
“A Palavra do Senhor permanece eternamente. E esta é a palavra do Evangelho que vos foi anunciada como Boa Nova”
(1 Pd 1, 25; cf. Is 40, 8).
Amados irmãos e irmãs, peregrinos neste Advento, discípulos do Verbo e missionários portadores da Palavra que “se fez carne e veio armar a sua tenda no meio de nós” (Jn 1,14), estejam com todos vocês a paz e as bênçãos do Pai.
Com as palavras do Apóstolo Pedro que as busca em Isaías, inicio esta carta de dezembro, inspirado na Exortação Apostólica pós-sinodal VERBUM DOMINI (VD 11) do Papa Bento XVI. E porque assim proponho? Porque o Papa vai mostrar-nos a fascinante relação – ou, melhor, a misteriosa identidade de Jesus com a Palavra. Esse mesmo Jesus que se faz carne no seio de Maria e se manifesta no Natal. Dezembro, portanto, Natal de Nosso Senhor Jesus Cristo, Natal do Verbo do Senhor, Natal da Palavra. Assim, podemos, nesta Carta natalina, refletir mais demoradamente – o quanto nos permite nosso espaço tão limitado – sobre a introdução desse precioso Documento do magistério, detalhado, sobretudo, no parágrafo “CRISTOLOGIA DA PALAVRA” (VD 11) e no parágrafo “MARIA ‘MÃE DO VERBO’ e ‘MÃE DA FÉ’” (VD 27). Proponho, portanto, que nossa reflexão a seguir seja toda ela iluminada pela luz da Palavra encarnada que nos vai falar, outra vez, neste Natal.
1. Por que “Cristologia da Palavra”? À primeira vista temos a impressão de que, com essas duas palavras, o Papa vai fazer mais um discurso teórico sobre Jesus Cristo. Entretanto, depois de refletir sobre o texto, chegamos à conclusão de que se trata de muito mais do que isso. Com efeito, com essa expressão, entramos no coração do mistério de Cristo-Palavra, pois este quer ser o significado de “Cristologia”, a Palavra (logos) manifestada em Cristo e prevista já desde o Antigo Testamento: “A partir desse olhar sobre a realidade como obra da Santíssima Trindade, através do Verbo divino, podemos compreender as palavras do autor da Carta aos Hebreus: ‘Tendo Deus falado outrora a nossos pais, muitas vezes e de muitas maneiras, pelos Profetas, agora falou-nos nestes últimos tempos pelo Filho, a Quem constituiu herdeiro de tudo e por Quem igualmente criou o mundo’ (Hb 1,1-2)”. (VD 11). O próprio Papa nos diz que “A Palavra não se exprime primeiramente num discurso, em conceitos ou regras; mas vemo-nos colocados diante da própria pessoa de Jesus. A sua história, única e singular, é a palavra definitiva que Deus diz à humanidade”.
Primeiro ponto: Sendo Jesus a “palavra definitiva que Deus diz à humanidade”, você já se está dispondo, durante este tempo do Advento, a ouvi-la, de novo, neste Natal? Pois “trata-se de uma novidade inaudita e humanamente inconcebível”: “O Verbo fez-Se carne e habitou entre nós” (Jo 1,14a) (VD 11). E continua a Exortação: “Estas expressões não indicam uma figura retórica, mas uma experiência vivida”. Cristo, portanto, espera que cada um de nós, seus discípulos missionários, façamos dEle uma “experiência de vida” e que procuremos fechar os ouvidos a outras vozes, ruídos e clamores que nos impedem de ouvir a Palavra. Pergunte-se: quais são os rumores dominantes em sua vida, à sua volta, nos círculos de sua convivência?
2. “O Senhor compendiou a sua Palavra, abreviou-a” (Is 10,23; Rm 9,28). Aqui está, a meu juízo, um dos mais belos trechos da VD. Por quê? Pela aproximação que ela faz entre nossa tão limitada e pobre condição humana e a Palavra, a pessoa de Jesus. Qualquer comentário que se poderia fazer sobre este parágrafo sem que se conheça seu inteiro teor, poderia diminuir seu encanto, sua beleza e originalidade. Por isso, transcrevo-o literalmente: “A tradição patrística e medieval, contemplando esta «Cristologia da Palavra», utilizou uma sugestiva expressão: O Verbo abreviou-Se. «Na sua tradução grega do Antigo Testamento, os Padres da Igreja encontravam uma frase do profeta Isaías – que o próprio São Paulo cita – para mostrar como os caminhos novos de Deus estivessem já preanunciados no Antigo Testamento. Eis a frase: “O Senhor compendiou a sua Palavra, abreviou--a” (Is 10, 23; Rm9, 28). (…) O próprio Filho é a Palavra, é o Logos: a Palavra eterna fez-Se pequena; tão pequena que cabe numa manjedoura. Fez--Se criança, para que a Palavra possa ser compreendida por nós». Desde então a Palavra já não é apenas audível, não possui somente uma voz; agora a Palavra tem um rosto, que por isso mesmo podemos ver: Jesus de Nazaré” (VD 12). Pergunto-lhe, meu caro irmão, minha querida irmã: você já encontrou expressão tão significativa, tão real e, até, tão emocionante como esta para mergulhar no mistério da Encarnação da Palavra, do Verbo que é Jesus? “Abreviar-se”, tornar-se pequeno, descer até as últimas limitações do ser humano: “a Palavra eterna fez-se pequena; tão pequena que cabe numa manjedoura”... Já São Paulo havia ido bem mais além: “Ele, existindo em forma divina, não se apegou ao ser igual a Deus, mas despojou-se, assumindo a forma de escravo e tornando-se semelhante ao ser humano. E, encontrado em aspecto humano, humilhou-se, fazendo-se obediente até a morte- e morte de cruz” (Fl 2, 6-8).
Segundo ponto: vivemos numa cultura e numa sociedade onde as pessoas valem e existem pelo que podem, pelo que têm, pelas aparências que ostentam. A própria celebração da Palavra que no Natal nasce “abreviada” para que “possa ser compreendida por nós”, é ocasião para apelos de toda ordem e em todos os tons ao consumo, à vaidade, ao supérfluo, enfim, a uma festa nada menos que paganizada. Parecem ser mais importantes os presentes dados e recebidos do que o divino presente da Palavra! E nós, discípulos, missionários e que desejamos ser seguidores da “Palavra que agora tem um rosto, que por isso podemos ver: Jesus de Nazaré”–, como vamos viver para mergulharmos, mais uma vez, no mistério da Palavra?
3. “Maria, Mãe do Verbo”, “Mãe da Fé” e “Mãe da Alegria”. Ao nascer uma criança, parentes e amigos se apressam para cumprimentar a mãe. Manifestam sua alegria de todas as maneiras, presenteando mãe e filho, desejando que a criança seja o ser humano que a mãe sonhou durante toda sua vida e, particularmente, durante a gravidez: que ela cresça saudável; que ela seja cada vez mais linda, mais inteligente, mais admirada e elogiada por todos os que venham a conhecê-la no futuro. Entretanto, para Maria as perspectivas para seu filho, são inteiramente outras. Ainda que assídua na escuta da Palavra, que surpresa, digo, quase que susto Maria leva ao ouvir tudo o que ultrapassa os desejos e as esperanças de todas as mães terrenas: “Conceberás e darás à luz um filho, e lhe porás o nome de Jesus. Ele será grande; será chamado Filho do Altíssimo, e o Senhor lhe dará o trono de Davi, seu Pai. Ele reinará para sempre sobre a descendência de Jacó. E o seu reino não terá fim” (Lc 1, 31-33). E a Mãe pronuncia aquele pleno consentimento que a faz a Mãe do Verbo, Mãe da Fé e Mãe da Alegria: “Eis aqui a serva do Senhor! Faça-se em mim segundo a tuas palavra”. E o “Verbo”, filho de Maria, “foi crescendo, ficando forte e cheio de sabedoria. A graça de Deus estava com ele” (Lc 2,40). Sonho do Pai, sonho da Mãe Maria, Mãe do Verbo, Mãe da Fé e Mãe da Alegria! E a VD fala-nos que Maria “se identifica com a Palavra, e nela entra; neste maravilhoso cântico de fé, a Virgem exalta o Senhor com a sua própria Palavra: «O Magnificat – um retrato, por assim dizer, da sua alma – é inteiramente tecido de fios da Sagrada Escritura, com fios tirados da Palavra de Deus. Desta maneira se manifesta que Ela Se sente verdadeiramente em casa na Palavra de Deus, dela sai e a ela volta com naturalidade. Fala e pensa com a Palavra de Deus; esta torna-se Palavra d’Ela, e a sua palavra nasce da Palavra de Deus” (VD 28).
Terceiro ponto: estamos conscientes de que “Contemplando na Mãe de Deus uma vida modelada totalmente pela Palavra, descobrimo-nos também nós chamados a entrar no mistério da fé, pela qual Cristo vem habitar na nossa vida”? E mais: “Como nos recorda Santo Ambrósio, cada cristão que crê, em certo sentido, concebe e gera em si mesmo o Verbo de Deus: se há uma só Mãe de Cristo segundo a carne, segundo a fé, porém, Cristo é o fruto de todos”. Finalmente, que providências você poderá tomar para que“o que aconteceu em Maria possa voltar a acontecer em cada um de nós diariamente na escuta da Palavra e na celebração dos Sacramentos”?(VD 28). Ah, sim: uma última pergunta: que presente você vai dar à Mãe, Maria, e ao recém-nascido, Jesus, a Palavra do Pai?
Com meu abraço fraterno, termino desejando a todos um fecundo tempo de espera no Advento e uma divina realização de nossa esperança no renovado nascimento da Palavra no Natal!
Pe. José Gilberto Beraldo
Grupo Sacerdotal do GEN
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